Gritos do Silêncio

Gritos do Silêncio
Trabalho apresentado como nota final do curso de História Geral II

1. Sinopse Narrativa:
Enviado ao Camboja como correspondente do New York Times, Sidney Schanberg vivenciará de perto os horrores da guerra, acompanhado do repórter e tradutor cambojano Dith Pran. Quando o exército norte-americano deixa o Camboja, Schanberg volta aos EUA e Pran passa a trabalhar nas fazendas do novo governo comunista.

2. Contexto de Produção do Filme:
Baseado no livro de compilações das matérias de Sidney Schanberg sobre o Camboja, The Death and Life of Dith Pran, Gritos do silêncio foi produzido entre 1982 e 1984. Neste período, o presidente Ronald Reagan enfrentava uma crise no congresso devido à intervenção das tropas americanas na Nicarágua e no conflito entre Irã e Iraque.
Curioso também nesta produção é história do Dr. Haing S. Ngor. O ator que interpretou Dith Pran também era cambojano e trabalhou por quatro anos nas fazendas do regime comunista, até conseguir fugir. Ngor era ginecologista no Camboja e estava desempregado nos EUA, até que Roland Joffé convidou-o para atuar no filme em que ganharia o Oscar de melhor ator coadjuvante.

3. Desenvolvimento da Narrativa:
Desmoralizado pela derrota no Vietnã e pelo escândalo do Watergate, o presidente Nixon tenta desviar a atenção através do conflito no Camboja. Através do que ele mesmo definiria como “a doutrina Nixon em sua forma mais pura”, o presidente anuncia ajuda ao povo cambojano e ao exército governamental contra o Khmer Vermelho (grupo comunista revolucionário), garantindo que não haverá tropas americanas em ação no país.
Neste contexto inicia-se o filme Gritos do Silêncio. Em 1973, o correspondente do New York Times, Sidney Schanberg (Sam Waterson), chega à Pnom Penh (capital do Camboja) exatamente no dia do acidental bombardeio americano à cidade de Neak Luong. Junto com seu intérprete e fotógrafo, Dith Pran (Haing S Ngor), Schanberg tenta chegar ao local das explosões, mas é impedido por um oficial do exército americano. Subornando militares do exército local, o repórter consegue chegar à Neak Luong, onde descobre que a destruição havia sido bem maior do que lhe havia informado o embaixador americano do Camboja.
Enquanto tiram fotos dos escombros, os dois jornalistas são encontrados pelo exército local e mantidos presos em um escritório, porém com a chegada de helicópteros da marinha eles são liberados. Tais helicópteros traziam repórteres para as áreas menos atingidas, ganhando a simpatia dos jornalistas e da imprensa ao mesmo tempo em que blindava a divulgação da guerra real. Sidney percebe a estratégia e discute com o embaixador, que estava em um dos helicópteros. Essa estratégia é uma forma de não cometer o mesmo erro do Vietnã, em que a divulgação de imagens de corpos e feridos minou a campanha de guerra. Aliás, a blindagem anti-imprensa, que parece ter início aqui, tornou-se uma tática fundamental do exército americano nas guerras seguintes, obtendo extrema eficiência nos recentes conflitos do Afeganistão e do Iraque. Nesses conflitos recentes, toda a imprensa tinha acesso limitado aos porta-aviões e bases do exército, recebendo informações diretas dos oficiais; esses oficiais agem, em termo adotado pelo próprio Schanberg, como "babysisters da imprensa". Assim as informações são transmitidas de forma homogenia pelas poucas agências de notícias que deixam seus repórteres aos cuidados dos militares.
De volta ao hotel, Schanberg escreve suas matérias expondo as falácias de Nixon. Em Washington, os bombardeios são considerados ilegais e o presidente, indiciado. Para as dificuldades de contextualizar o filme sem alongá-lo (o filme tem mais de 2 horas), Roland Joffé adotou a transmissão de notícias de rádio, substituindo a trilha sonora em cenas sem diálogos. O toque do diretor e suas raízes do documentário podem ser percebidos nas transições de cenas com cortes secos, na busca constante de contextualizar a história e nas fortes cenas de corpos mutilados, que caracterizam o cinema-realidade de Joffé.
Voltando ao enredo; a história salta para 1975, quando a matéria de Sidney ganha primeira página e o Camboja descarta o apoio americano, afirmando que Washington induziu-os à guerra. O presidente Gerald Ford decide retirar do país o exército e a embaixada; Sidney, preocupado com o rumo que as coisas podem tomar, solicita junto à embaixada a retirada de Dith Pran e sua família para os EUA. A esposa e os filhos de Pran partem, mas ele permanece para cobrir a guerra e diz ser este seu dever de jornalista.
Com desistência das tropas governamentais, o Khmer Vermelho toma a capital sem dificuldades e é recebido com festa pela população que acredita ser este o fim da guerra. Quando tentam voltar de carro para o hotel, Schanberg e outros jornalistas são abordados por um tanque do Khmer, os estrangeiros são aprisionados e Pran insiste para ir junto. Todos são levados a um galpão da Coca-Cola, que antes servia de base para as tropas do governo; este galpão é um forte elemento simbólico no filme. Pois, através do refrigerante que é símbolo da expansão norte-americana no mundo, Joffé sugere que os EUA não são apenas coadjuvantes nesta guerra; também é possível que ele não tenha resistido à tentação de filmar um galpão da Coca sendo invadido por comunistas.
Neste galpão, Pran convence os soldados a soltarem os jornalistas, alegando que eles são franceses. A idéia funciona, mas provavelmente não foi baseada em relatos. Afinal, o asco aos franceses era muito comum em toda Indochina (hoje Laos, Vietnã e Camboja) devido à colonização européia, derrubada nos anos 40, quando o Japão invadiu o sudoeste asiático pregando o ódio aos franceses e a noção de nacionalismo. Logo, as chances de eles salvarem-se não deveriam aumentar muito por eles se dizerem franceses.
O fato é que eles escapam de serem mortos e no retorno ao hotel presenciam a retirada em massa da população de Phnom Pehn para o campo, como parte dos planos do novo governo comunista de criar uma sociedade agrária. Devido à situação nas ruas, os jornalistas recorrem à embaixada francesa, lugar mais seguro que o hotel, e lá são informados de que somente os europeus podem permanecer no prédio. O fotógrafo Al Rockoff (Jonh Malkovich) e o jornalista britânico Jon Swain (Julian Sands) tentam falsificar um passaporte para Pran, mas não conseguem.
Enquanto Pran vai para os campos de trabalho forçado, Sidney retorna à Nova York para receber o pulitzer. Após a entrega do prêmio, Sidney é massacrado pela imprensa televisiva com perguntas; uma forma de o diretor mostrar a condescendência da imprensa com o governo.
Do outro lado do mundo, Pran assiste a palestras comunistas sobre o novo governo, sobre a morte de Deus e sobre o fim da família, além de trabalhar em garimpos e em colheitas de arroz. Ele observa como são treinadas as crianças para serem perfeitos soldados e cães de guarda do regime, matando asfixiado em sacos plásticos ou à pauladas de bambu quem se rebele, em cenas que deixariam um capitão Nascimento (Tropa de Elite) no chinelo.
Durante um dia de colheita, Pran consegue fugir e encontra um dos campos que dão nome ao filme (The killing fields, no original), onde fica chocado com o volume de ossadas que encontra. Realmente há registros de campos deste tipo na fronteira com Tailândia que ficaram conhecidos como “campos assassinos.” Pran não consegue chegar à fronteira, mas é acolhido por um oficial do Khmer Vermelho. Com o tempo, o oficial descobre que Pran sabe inglês e francês, então dá a ele mapas e permite que ele fuja do país, contanto que leve seu filho junto, e lhe explica que não acredita mais no regime.
Pran consegue chegar ao acampamento da Cruz-Vermelha, mas o filho do oficial morre. Em Nova York, Sidney recebe notícias de Pran e voa para a Tailândia, para o reencontro depois de quatro anos.
Joffé tenta, com este filme, chocar o espectador, por isso não dispensa cenas fortes de sangue, feridas e dor, mas isso não significa que ele duvide de um futuro melhor, afinal termina o filme ao som de Imagine, de John Lenon.

4. Comentário Pessoal:
Um filme de guerra cru. Joffé não romantiza os personagens, não adota trilha sonora, não corta as cenas com fades. Isso é bom, confere ao filme o ar de documentário, dando credibilidade ao que foi transmitido. O tempo todo transparece a preocupação do diretor com a veracidade dos fatos e a credibilidade que ele terá. Mas Gritos do silêncio não é só um retrato da guerra no Camboja, também traz elementos que nos permite analisar o papel da imprensa nas guerras.
Se Hobsbawm diz que o jornalismo de guerra começou no século XX (Era dos Extremos), e Carlos Dorneles afirma que esse jornalismo acabou no segundo conflito do Iraque (Deus é inocente: a imprensa, não), Gritos do silêncio mostra o marco da guinada de um para o outro, com os EUA aprendendo com os erros do Vietnã e adotando as informações realmente como uma variável essencial à guerra.

5. Ficha Técnica:
Gritos do silêncio
(The killing fields). Inglaterra, 1984, 141 min.
Direção: Roland Joffé.
Roteiro: Bruce Robinson.
Fotografia/Cinematografia: Chris Menges
Com: Sam Waterson (Sidney Schanberg)
Haing S. Ngor (Dith Pran)
John Malkovich (Al Rockoff)
Julian Sands (Jon Swain)

6. Fontes Consultadas:

http://mundoestranho.abril.com.br/edicoes/35/historia/conteudo_mundo_56954.shtml Acessado em 18/11/2007.

http://www.adorocinema.com/filmes/gritos-do-silencio/gritos-do-silencio.asp#Ficha%20Técnica Acessado em 18/11/2007.

http://www.jornalismo.ufsc.br/jornalismoemcartaz/resenhas/res0026.htm Acessado em 18/11/2007.

http://www.amazon.com/Death-Life-Dith-Pran/dp/0140084576 Acessado em 20/11/2007.

http://www.cambodian.com/dithpran/book/ Acessado em 22/11/2007.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u323064.shtml Acessado em 22/11/2007.

http://www.democracynow.org/article.pl?sid=05/05/24/1341241 Acessado em 29/11/2007.

DORNELES, Carlos. Deus é inocente: a imprensa, não. São Paulo, Globo, 2003.
CROUZET, Maurice. História geral das civilizações vol. 16 – A época contemporânea: o mundo dividido. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1996.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2ª Ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.