Gangues de Nova York

Gangues de NY
Trabalho apresentado como nota final do curso de História Geral I



1. Sinopse Narrativa:
Gangues de Nova York mostra a cidade no século XIX, auge dos conflitos abolicionistas e da guerra de secessão. Alheio aos conflitos nacionais, o bairro de Five Points vive seus próprios conflitos entre as diversas gangues que dominam o subúrbio da metrópole. Inspirado no livro de 1928 The Gangs of New York: An Informal History of the Underworld, de Herbert Asbury (lançado no Brasil apenas como As Gangues de Nova York - Ed. Globo 2002, R$ 43,00), o filme concentra-se nos conflitos entre Nativistas (nova-iorquinos natos e protestantes) e imigrantes católicos, de maioria irlandesa.

2. Contexto de Produção do Filme:
A idéia de produzir Gangues de Nova York surgiu nos anos 70, quando Scorsese leu o livro de Asbury. O filme seria rodado ainda nos anos 70, mas uma serie de fracassos de superproduções em Hollywood inviabilizaram a produção de Gangues, que ficou engavetada até 2000. O atentado terrorista de 11 de setembro ocorreu durante as filmagens, aumentando a polêmica sobre o filme, que trata também de conflitos religiosos e xenofobismo, e levantando suspeitas sobre o impacto e as mudanças que o atentado teria provocado no roteiro do filme lançado em 2002.

3. Desenvolvimento da Narrativa:
Em 1846 as duas maiores gangues de Nova York, os Coelhos Mortos, liderada pelo católico irlandês “Pastor” Vallon (Liam Neeson), e os Nativistas, comandada pelo xenófobo protestante Bill “The Butcher” Cutting, o açougueiro (Daniel Day-Lewis), se enfrentam para decidir o domínio do bairro de Five Points. A batalha, repleta de sangue no melhor estilho Quantin Tarantino, é um mosaico de cenas aceleradas e cenas em câmera lenta com movimentos sutis que remetem à dança. A batalha se encerra com a morte de Vallon, seu filho de aproximadamente seis anos é levado a um orfanato, os Coelhos Mortos são extintos e Bill passa a ser o “prefeito” de Five Points.
Dezesseis anos depois, o filho do “Pastor” Vallon (Leonardo di Caprio) deixa o reformatório Hell Gate e retorna a Five Points, adotando o nome de Amsterdam.
Ao desembarcar de um navio de imigrantes europeus, em que tinha embarcado alguns quilômetros acima de Nova York, o jovem encontra uma curiosa e paradoxal recepção: os políticos da cidade oferecendo sopa aos recém chegados, as tropas oficiais recrutando-os para lutarem pela “pátria” e os Nativistas apedrejando os estrangeiros, em especial os irlandeses. A repulsa aos imigrantes era comum nesse período, os americanos protestantes achavam que os estrangeiros, de maioria católica, eram uma ameaça para a paz e a prosperidade da nação, além de roubarem seus empregos. Entre 1830 e 1860, dos 4,6 milhões de imigrantes que entraram nos EUA, 39 por cento são irlandeses; não à toa eles são parte na disputa de poder deste filme.
Rapidamente Amsterdam se reintegra ao bairro, fazendo parte de uma pequena gangue de ladrões. Planejando vingar a morte do pai, o jovem procura ganhar a confiança de Bill. Aos poucos, o jovem se aproxima de seu inimigo e alcança sua confiança irrestrita ao salvá-lo de uma tentativa de assassinato durante uma apresentação de teatro. Essa é uma cena muito bem contextualiza por Scorsese, a peça é o clássico abolicionista A Cabana do Pai Tomás e é vaiada pelo público, mostrando, além do caráter antiabolicionista dos Nativistas, como a ideologia antiescravista do norte não tinha origem nas classes populares, mas era imposta pelas novas elites industriais que surgiam nos EUA. Não é apenas para situar a história que a peça aparece no filme; como as lutas de boxe eram proibidas, o teatro popular fazia muito sucesso, as pessoas de Five Points podiam recitar Shakespeare tão bem quanto a elite nova-iorquina. O diretor faz ainda outra referência cultural, em uma cena em que Bill se impressiona com as misturas da cidade ao ver um negro dançando ao som de música irlandesa; a origem do sapateado é atribuída exatamente a essa fusão de danças negras e irlandesas.
Sob a tutela de Cutting, Amsterdam parece se esquecer da vingança e se conformar com o conforto de seu status, até que se apaixona pela ladra Jenny (Cameron Diaz), e o ciúme que sente dela com Bill reacende sua raiva. Sua tentativa de assassinato é frustrada, o açougueiro descobre que Amsterdam é filho de Vallon, e uma nova disputa começa em Five Points com a volta dos Coelhos Mortos.
A primeira disputa é eleitoral, os excessos de Bill fazem-no perder para os irlandeses o apoio do partido Democrata, que lança um candidato irlandês para deputado. O pleito tem votação três vezes maior que o eleitorado, com ambos os lados arrastando pessoas para votarem mais de uma vez, reconstituindo as origens históricas dos problemas eleitorais norte-americanos. Monk, o candidato democrata vence e é assassinado por Bill, que é desafiado por Amsterdam a se enfrentarem em combate.
A cena que precede o duelo é um levante popular contra o alistamento obrigatório, porém nela o diretor sintetizou os conflitos populares do século XIX, as casas da Wall Street e da 5th Avenue são apedrejadas pelos pobres, as delegacias são incendiadas, os negros são enforcados nos postes e adversários políticos matam-se nas ruas.
O momento do confronto é um anticlímax da história, quando os dois grupos estão prestes a se enfrentarem, o exército sai às ruas e a marinha bombardeia a cidade a fim de conter os conflitos. Sob a névoa dos destroços, Amsterdam mata Bill, porém o conflito agora é para sobreviver. Como na primeira batalha do filme, o sangue cobre o chão, formando grandes poças que, ao som de the hands who built América (U2), sugere que Nova York cresceu irrigada pelo sangue das lutas populares. Não há mais gangues, agora Five Points luta contra o exército que põe no esquecimento o “glorioso” bairro (aqui tem uma falha de figurino. Os soldados do filme utilizam a baioneta, porém, de 1861 a 1865, o fuzil estriado, que era carregado pela culatra, foi a arma dominante nos conflitos americanos). O filme termina com Amsterdam, no cemitério onde enterra Bill ao lado de seu pai, concluindo que a verdadeira história de Nova York nunca será contada.
Scorsese dialoga, em certo ponto, com filmes como Tiros em Columbine (de Michael Moore) e Minha Querida Wendy (Lars Von Trier), que tratam do fascínio norte-americano pelas armas. Ao tratar de religião e xenofobismo, Gangues cutuca a reação do governo Bush, e de grande parte dos americanos, aos atentados de 11 de setembro. Ao contrário de Bush, que dividiu o mundo entre um eixo do mal e um do bem, Scorsese é contra o maniqueísmo, no filme não há vilões nem mocinhos, todos são gentlemen, mesmo a barbárie exige honra, e Amsterdam aprende isso da forma mais difícil, a violência aqui não é opcional, ela faz parte do dia a dia. Scorsese confirma o que disseram Arthur Miller e Eric Hobsbawm, em A morte do caixeiro viajante e Sobre História respectivamente, e antes deles Rousseau, que a barbárie não é inerente ao homem, ela vem com o território, é um subproduto da vida em determinados contextos históricos e sociais.

4. Comentário Pessoal:
Alguns acusam Gangues de Nova York de ser exagerado, tanto no figurino quanto na violência. Concordo que o figurino seja um pouco caricato, mas isso confere ao filme um quê de quadrinho que, somado a atuação perfeita de Daniel Day-Lewis, colocam o personagem Bill (baseado no político real Bill Poole) no hall dos maiores “vilões” de Hollywood. Quanto à violência, se considerarmos que em 1849, os membros do 1º congresso de Taylor compareceram armados de facas e pistolas, levando três semanas para a câmara eleger um presidente, o filme não parece assim tão exagerado. Porém, na gana de reconstruir e de contextualizar a história, Scorsese abandona, em certos momentos, a boa fluência narrativa e enche de detalhes que entendiam quem esperava um bom filme de ação.

5. Ficha Técnica:
Gangue de Nova York (Gangs of New York). EUA, 2002, 143 min.
Direção: Martin Scorsese.
Roteiro: Jay Cocks, adaptado de The Gangs of New York: An Informal History of the Underworld, do historiador Herbert Asbury.
Com: Daniel Day-Lewis, Cameron Diaz, Leonardo di Caprio e Liam Neeson.

6. Fontes Consultadas:
http://www.gothamgazette.com/article/20021223/202/162 acessado em 25 de maio de 2007.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u29636.shtml acessado em 20 de maio de 2007.
http://www1.uol.com.br/diversao/cinema/noticias/ult831u205.shl acessado em 20 de maio de 2007.
FOHLEN, Claude. América anglo-saxônica: de 1815 à atualidade. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1981.
ARRUDA, José Jobson. Nova História moderna e contemporânea. Bauru-SP, EDUSC, 2004.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

Nenhum comentário: